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A rainha do Brasil troca de nome, mas não perde a majestade

Aipim, candinga, castelinha, macamba, macaxeira, mandioca-brava, mandioca-doce, mandioca-mansa, maniva, maniveira, moogo, mucamba, pão-da-américa, pão-de-pobre, pau-de-farinha, pau-farinha, tapioca e uaipi, seja qual for o nome, a mandioca é o tubérculo mais antigo consumido no Brasil.

Contam que, quando Sérgio Buarque de Holanda lançou a primeira edição do livro Raízes do Brasil, um coronel de Pindamonhangaba, no Vale do Paraíba, após ler o título da obra, exclamou espantado: “Até sobre a mandioca os intelectuais dessa terra andam escrevendo!”. A “rainha do Brasil”, como a chamou Câmara Cascudo em seu livro História da Alimentação no Brasil, é um alimento genuinamente brasileiro, proveu sustento à população colonial e até hoje tem importância na dieta nacional. Avançando nas matas e abrindo clareiras em busca de índios ou de ouro e pedras preciosas, os bandeirantes deixavam em seu rastro plantações de mandioca.

O folclore em torno do tubérculo começa pelos relatos dos primeiros portugueses que, ao terem contato com o estranho alimento, não conseguiram identificá-lo e descreveram seu consumo como sendo de inhame. Outros mais descrentes pensavam que os índios faziam farinha de uma espécie de madeira, daí seu nome “pau-de-farinha”. Séculos mais tarde, a mandioca mostraria sua importância na política nacional com a chamada “Constituição da Mandioca”. Em 1823, um anteprojeto que deveria ser a base da Constituição foi apresentado por uma comissão liderada por Antônio Carlos de Andrada e Silva, irmão de José Bonifácio. Com caráter marcadamente anticolonialista e xenofóbico, o anteprojeto procurava limitar ao máximo o poder de D. Pedro I, valorizando a representação nacional. E para garantir que o poder parlamentar ficasse nas mãos da aristocracia rural brasileira, a capacidade eleitoral foi condicionada à renda (mas não em dinheiro), pautada numa mercadoria de consumo corrente: a farinha de mandioca.

Ainda sobre as origens da mandioca, existe uma lenda indígena que contribuiu para o nome científico da planta, Manihot esculenta, dado pelo austríaco Emmanuel Pohl, botânico que percorreu o Brasil entre 1817 e 1821. Diz a lenda que a filha de um poderoso chefe indígena foi viver em uma velha cabana distante ao ser expulsa de sua tribo por ter engravidado misteriosamente. Essa índia deu à luz uma linda menina muito alva, que se chamou Mani.
A notícia do nascimento se espalhou por todas as aldeias e fez o grande chefe esquecer suas dores, seus rancores e cruzar os rios para ver sua filha. Ao completar três anos, Mani morreu de forma também misteriosa. A mãe enterrou a filha perto da cabana em que vivia e sobre ela derramou seu pranto por horas. Com os olhos cansados e cheios de lágrimas, a índia viu brotar de lá uma planta.
As pessoas vieram ver a planta miraculosa que mostrava raízes grossas e brancas em forma de chifre. Desde essa época a mandioca tornou-se um alimento para os índios (mandi = Mani, nome da criança; oca = casa). Podemos ver na história de Mani a relação com a antropofagia, pois, ao comer o fruto da terra, os outros membros da sociedade estariam comendo a si mesmos, numa evidente forma de preservar as identidades.


Vicente do Rego Monteiro - Mani Oca/O nascimento de Mani, aquarela e nanquim sobre papel, 1921

De norte a sul do Brasil, a mandioca enriquece as receitas nacionais, desde a maniçoba do paraense ao churrasco do gaúcho. Sem a mandioca, o Brasil teria perdido grande parte de
sua cultura alimentar.

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